A Voyager 2 da NASA chega ao espaço interestelar - quatro décadas após seu lançamento

Desde agosto de 1977, a Voyager 2 vem viajando pelo nosso universo. Apesar disso ser muito tempo, a antiga sonda não tem apresentado problemas. Tanto que ela passou por vários planetas em nosso sistema solar, enviando valiosas imagens e informações a respeito do que encontrava. Anos depois, a Voyager 2 permanece impressionando os cientistas - e rompendo fronteiras.

Em outubro de 2018, a NASA publicou um comunicado à imprensa anunciando que a Voyager 2 estava se aproximando do espaço interestelar. Bem, se a sonda conseguisse chegar a essa remota parte da galáxia, ela seria o segundo objeto criado pelo homem a fazer isso. A primeira nave espacial a ter alcançado esse marco havia sido a Voyager 1, realizando tal proeza em 2012.

Então, em dezembro de 2018, a NASA confirmou que a Voyager 2 tinha mesmo chegado ao espaço interestelar. Embora a Voyager 1 já houvesse aberto caminho, tal feito continuava sendo significativo. Afinal, graças a um certo dispositivo funcionando a bordo da Voyager 2, a NASA poderia compreender ainda mais o universo.

Todavia, antes de voltarmos nossa atenção à última missão da Voyager 2, vamos primeiro entender o que é o espaço interestelar. O termo "interestelar" significa literalmente "entre estrelas" e é aí que esta parte da galáxia fica. Enfim, é mais fácil perceber a exata natureza do espaço interestelar ao contrastá-lo.

Como o espaço interestelar é diferente da extensão do universo encontrada ao redor do Sol, concluiu-se que deveria haver uma espécie de fronteira posicionada entre essas regiões. De fato, estas duas áreas estão realmente separadas por uma fronteira, conhecida pelo nome de heliopausa.

A heliopausa situa-se entre o espaço interestelar e uma área conhecida como heliosfera - uma gigantesca bolha criada pelo Sol que envolve o sistema solar. A heliosfera, por sinal, existe devido aos ventos solares originários da estrela que é fonte de luz e calor à Terra.

Aliás, é possível discernir entre a heliosfera e o espaço interestelar ao observar a natureza das partículas encontradas em cada região. Enquanto dentro da heliosfera estes pequenos pedaços de matéria estão em alta temperatura e amplamente dispersos, fora da bolha, porém, são mais frios e compactos.

Assim, tanto a Voyager 1 quanto a Voyager 2 conseguiram ir além dos limites da heliosfera, entrando no espaço interestelar. Contudo, alcançar essa parte da galáxia não era o objetivo principal de nenhuma dessas naves, até porque elas haviam sido inicialmente enviadas ao espaço para outros propósitos.

Como os próprios nomes das sondas sugerem, ambas foram lançadas como parte do Programa Voyager da NASA. A Voyager 2 foi a primeira a ser enviada em 20 de agosto de 1977 e, em seguida, foi a vez de sua irmã em 5 de setembro daquele ano. De modo geral, as duas espaçonaves tinham a missão de explorar os confins de nosso sistema solar.

Inclusive, aquelas sondas foram projetadas da mesma maneira. Aparentemente, cada uma delas pesa quase 800 kg, sendo 105 kg só de uma variedade de dispositivos científicos. Dessa forma, tanto na Voyager 1 quanto na Voyager 2 há algo conhecido como o Disco de Ouro da Voyager.

O Disco de Ouro da Voyager é um disco fonográfico que contém sons e imagens da Terra. O conteúdo do disco foi selecionado por um comitê da NASA chefiado por Carl Sagan, reunindo, por exemplo, sons da natureza e uma coletânea musical com obras de diferentes épocas e culturas.

As músicas do disco foram escolhidas para exibir a multiplicidade dos gostos humanos, indo desde as composições clássicas de Bach e Beethoven até algumas canções pop. O fato de terem colocado "Johnny B. Goode", de Chuck Berry, incomodou algumas pessoas, pois consideravam essa música "de adolescente". Entretanto, Sagan parece ter friamente respondido com as seguintes palavras: "Há muitos adolescentes no planeta".

Portanto, uma cópia do Disco de Ouro da Voyager foi enviada a bordo de cada uma das duas naves espaciais no improvável caso das sondas serem encontradas por qualquer forma de vida extraterrestre. Falando do artefato à NASA em 1977, Sagan explicou: "A nave será encontrada e o disco só será reproduzido se houver avançadas civilizações no espaço interestelar. Mas... o lançamento desta garrafa no oceano cósmico diz algo bastante promissor sobre a vida neste planeta".

No Disco de Ouro da Voyager, também há cerca de 115 ilustrações e fotografias. Algumas delas apresentam diversas teorias matemáticas e científicas, enquanto outras simplesmente mostram aspectos do dia a dia da existência humana. Além disso, foram registradas saudações e mensagens em cada disco, como uma do então presidente dos Estados Unidos.

"Este é um presente de um pequeno e distante mundo", escreveu o presidente aos possíveis descobridores de qualquer uma das sondas. "[É] uma prova de nossos sons, nossa ciência, nossas imagens, nossa música, nossos pensamentos e nossos sentimentos. Estamos tentando sobreviver ao nosso tempo para que possamos viver no seu".

Todavia, as Voyager foram projetadas para mais do que apenas um eventual contato alienígena. Inicialmente, as duas sondas haviam sido enviadas ao espaço para investigar os sistemas planetários de Saturno e Júpiter. As espaçonaves, no entanto, conseguiram ir ainda mais longe após concluírem seu principal objetivo.

Depois que a Voyager 2 alcançou e analisou Saturno e Júpiter, ela seguiu até Urano e Netuno. Assim, a sonda visitou os sistemas planetários de Urano em 1986 e os de Netuno em 1989. Até hoje, a Voyager 2 continua sendo a única nave que já explorou esses dois planetas.

A Voyager 1, por sua vez, tornou-se o terceiro objeto criado pelo homem a atingir a velocidade necessária para deixar o sistema solar. Atualmente, somente cinco sondas conseguiram realizar tal proeza: as duas naves espaciais Voyager, a Pioneer 10, a Pioneer 11 e a New Horizons. A propósito, esta última sonda foi enviada ao espaço em 2006, enquanto as outras quatro foram lançadas ao longo da década de 1970.

Durante os primeiros anos de missão das Voyager, as duas espaçonaves obtiveram significativas informações acerca dos planetas externos do sistema solar: Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Ao utilizar uma série de câmeras e dispositivos científicos, as sondas Voyager foram capazes de fazer esclarecedoras observações a respeito daqueles corpos celestes.

Em janeiro de 1979, a Voyager 1 começou a fotografar Júpiter. As imagens de março daquele ano possuíam uma qualidade tão boa que foi possível revelar a nós mais dos anéis, campos magnéticos e luas do planeta. O curioso é que a atividade vulcânica também foi registrada na lua Io, marcando a primeira vez que tal fenômeno foi visto fora da Terra.

Ao passar por Júpiter em julho de 1979, a Voyager 2 reforçou as análises de sua sonda irmã sobre os vulcões de Io. Aliás, a nave contemplou a Grande Mancha Vermelha - o local da maior tempestade anticiclônica em nosso sistema solar. As estimativas variam, mas os especialistas acreditam que a tempestade pode ter durado por volta de 350 anos.

Logo, após sobrevoarem Júpiter, as sondas foram para Saturno. A Voyager 1 aproximou-se do planeta em novembro de 1980 e a Voyager 2 em agosto de 1981. Como ocorreu nas viagens de Júpiter, as naves espaciais revelaram novos detalhes acerca de Saturno por meio dos dados que adquiriram.

A Voyager 1, por exemplo, fotografou e identificou alguns complexos traços nos anéis de Saturno. Ainda que uma falha no equipamento tenha comprometido as imagens, a Voyager 2 foi capaz de, mais tarde, fazer um registro em alta qualidade. Isso, por sua vez, levou à descoberta de inúmeros novos detalhes.

Enfim, ambas as sondas estudaram a atmosfera de Saturno, a qual, de acordo com a Voyager 1, consistia predominantemente de hélio e hidrogênio. Inclusive, as duas espaçonaves giraram em torno de Saturno para descobrir a duração de um dia no planeta, contabilizando quase 11 horas terrestres.

O percurso da Voyager 1, a propósito, envolveu passar por Titã - o maior satélite natural de Saturno e o segundo mais importante do sistema solar, ficando atrás apenas de Ganímedes, de Júpiter. Bem, Titã não só é aproximadamente 50% maior que nossa própria Lua, como também chega a ser maior que o planeta Mercúrio.

Como os especialistas estavam interessados em Titã, se a Voyager 1 não conseguisse completar aquela tarefa, o curso da Voyager 2 precisaria ser ajustado. Caso esse desvio de fato tivesse acontecido, a Voyager 2, então, acabaria sendo impedida de chegar a Urano e Netuno.

Felizmente, a Voyager 1 conseguiu observar Titã, permitindo, portanto, que a Voyager 2 fosse até Urano. Em seguida, a Voyager 1 já partiu em direção ao limite da heliosfera, captando algumas imagens no caminho. Tanto que uma famosa fotografia de 1990 foi o primeiro "retrato de família" do sistema solar, exibindo como a Terra era vista de longe.

Em 1998, a Voyager 1 ultrapassou a sonda Pioneer 10, transformando-se no objeto feito pelo homem mais distante da Terra. Ao que parece, a Voyager 1 movimenta-se por 523 milhões de quilômetros a cada 12 meses - ou um único ano-luz a cada 18 mil anos. De qualquer modo, essa sonda tornou-se, em agosto de 2012, a primeira nave a alcançar o espaço interestelar.

Enquanto isso, a Voyager 2 aproximou-se de Urano em janeiro de 1986. Lá, a sonda identificou 11 luas as quais eram anteriormente desconhecidas. Além disso, as observações da Voyager 2 estabeleceram que um dia em Urano dura pouco mais de 17 horas terrestres.

Já em 1989, a Voyager 2 conseguiu chegar a Netuno. Naquele planeta, a nave espacial passou por Tritão e por mais outras seis luas que até aquele momento não eram conhecidas. Também, a sonda descobriu dois anéis ao redor do gigante de gelo.

De qualquer maneira, depois da Voyager 2 ter completado sua tarefa em Netuno, as fases planetárias de sua missão haviam chegado ao fim. Porém, a espaçonave não voltaria à Terra. Ao invés disso, a NASA decidiu empregar a sonda para compreender mais a respeito da área fora da heliosfera. Pois é, como sua irmã, a Voyager 2 seguiria para o espaço interestelar.

Assim, em dezembro de 2018, a NASA revelou que, no mês anterior, a Voyager 2 havia realmente passado da heliosfera. Contudo, como a agência poderia fazer essa afirmação com tanta convicção? Bem, porque a Voyager 2 possuía um dispositivo chamado de Sistema de Ondas de Plasma.

Apesar do Sistema de Ondas de Plasma não funcionar na Voyager 1 desde 1980, ele continua a funcionar bem na Voyager 2. Aliás, o dispositivo é usado para verificar a natureza das partículas solares dentro da heliosfera. Visto que ventos solares não foram detectados ao redor da Voyager 2 desde novembro de 2018, isto prova que a nave está agora no espaço interestelar.

Conforme um especialista, explorar o universo com o Sistema de Ondas de Plasma funcionando na Voyager 2 pode ser uma vantagem e tanto. Em dezembro de 2018, John Richardson, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, disse à NASA: "Embora a Voyager 1 tenha passado pela heliopausa em 2012, ela fez isso em um local e momento diferente [da Voyager 2] e sem os dados do Sistema de Ondas de Plasma. Logo, estamos vendo coisas nunca vistas antes".

Atualmente, as informações seguem sendo enviadas à Terra tanto da Voyager 1 quanto da Voyager 2. Inclusive, por meio dos dados obtidos, a NASA pode examinar a heliosfera e sua reação a fatores que estão além de seus limites. Segundo o diretor da Divisão de Heliofísica da NASA, este processo é primordial para que novas descobertas sejam feitas.

"As Voyager têm um lugar muito especial para nós na nossa frota de heliofísica", comentou Nicola Fox, da NASA. "Nossos estudos começam no Sol e se estendem a tudo o que o vento solar alcança. Ter as Voyager enviando informações sobre o limite da influência do Sol nos dá um inédito vislumbre de um território verdadeiramente inexplorado".

Estima-se que tanto a Voyager 1 quanto a Voyager 2 funcionarão até 2025. A partir disso, a energia de ambas pode se esgotar, colocando um fim em suas operações científicas. Entretanto, ainda que isso aconteça, cada uma das naves espaciais terá resistido por quase meio século após o início de suas respectivas missões.

De início, a NASA enviou as sondas Voyager ao espaço em 1977 na intenção de que trabalhassem por cinco anos. Todavia, o principal objetivo dessas espaçonaves foi concluído há muito tempo ao analisarem Júpiter e Saturno - e também Urano e Netuno. Agora, no entanto, as naves chegaram ao espaço interestelar.

"Estamos todos felizes e aliviados pelas sondas Voyager terem operado por tempo suficiente para alcançar esse marco", disse Suzanne Dodd, gerente de projetos da missão, à NASA. Ela prosseguiu: "Isto é o que todos nós estávamos esperando. No momento, estamos ansiosos para saber o que poderemos descobrir com as duas sondas fora da heliopausa".

Agora, a NASA está planejando uma nova missão para aproveitar o pioneiro trabalho já realizado pelas sondas Voyager. Por enquanto, a Sonda de Mapeamento e Aceleração Interestelar está programada para ser lançada em 2024. Assim, quem sabe quais novas descobertas essa nave espacial fará para agregar aos dados das missões das Voyager, não é mesmo?